Eu nasci em 1974 em São Paulo. Meu interesse por
disco, música me levaria a querer aprender a tocar algum instrumento. Meu pai
me deu um violão, meu tio me deu uma guitarra, mas até aprender mesmo demoraria
alguns anos (acordes era uma coisa muito complicada pra mim). Mas com o
objetivo de “tocar na missa” fiz algumas poucas aulas e fui lançado no “altar”
no melhor estilo “amanhã eu não vou poder ir, está aqui a pasta de cifras”,
mais popularmente conhecido como “se vira”! Eu sempre curti ser “rato de
ensaio”, na minha rua tinha uma banda que ensaiava, compus até uma letra com
uns oito anos e o pessoal da banda pegou o tom, vai saber em que porra de tom
que eu cantava e tenho a lembrança de cantar essa música com a banda tocando o
meu rock mirim musicado. Não, não tem imagens disso, na época não tinha
celular, quem tinha filmadora era rico e isso deve ter sido por volta de 1982,
com margem de erro para um ou dois anos a mais.
Assim como eu já falei aqui sobre o meu primeiro
disco de rock pesado internacional foi o “Creatures Of The Night” do KISS, https://blogdobaratta.blogspot.com/2012/11/kiss-creatures-of-night.html
, o meu primeiro disco de rock nacional foi o “Nós Vamos Invadir Sua Praia”
lançado em 13 de Julho de 1985.
A única coisa que eu me lembro é da minha madrinha
estar em casa e devia ser meu aniversário, ocasião que ela perguntou o que eu
queria ganhar de presente. Eu falei “disco”! Não me lembro do valor nem como
escolhi o do Ultraje, mas lembro de que foi em uma loja perto de casa. E a
minha saudosa Telefunken Linfomat tocou esse disco a exaustão. Esse é um dos
discos até hoje que eu ouço sem pular uma faixa. Eu estava em um período em que
tinha acabado de entrar no hoje “6º ano” antiga “5ª série” ou ginásio. Estava
em formação e era a primeira vez que fiz a tal 5ª série, tá bom, fiz mais de
uma vez, mas não vem ao caso. O impacto desse disco, pelo menos na minha vida,
foi tão grande que hoje pesquisando sobre rock nacional, fiquei contente em
saber que esse disco que foi tão importante pra mim foi o primeiro disco de
rock nacional dos anos 80 que teve uma venda absurda, alavancou de vez o rock
nacional e abriu os olhos da mídia da época para as bandas nacionais.
O Ultraje já vinha se destacando com os compactos
“Inútil”/”Mim Quer Tocar” e “Eu Me Amo”/”Rebelde Sem Causa”, mas foi com esse
LP que as coisas realmente melhoraram para o rock nacional. Irreverência e letras
bem sacadas não é uma exclusividade do Ultraje, embora não fosse uma banda
somente de rock, o Língua de Trapo já havia lançado o disco Língua de Trapo em
1982 e Como É Bom Ser Punk em março de 1985. Mas “Nós Vamos Invadir Sua Praia”
foi até as últimas consequências. A faixa que dá título ao disco era um recado
ao cenário carioca onde muitas bandas
vinham se destacando, como Roger disse “as rádios estavam lá, as emissoras de
TV estavam lá no Rio de Janeiro”. Isso na mídia, porque casa noturna pra tocar
em São Paulo, no começo dos anos 80, era o que não faltava. Aliás, quem teve a
sorte de ter seus 18 ou 20 anos na primeira metade dos anos oitenta e fosse músico,
se deu bem. O disco foi produzido por Pena Schmidt e Liminha. Foi o primeiro
disco de rock nacional a ganhar disco de ouro e platina.
O trecho a seguir é do livro “Músicas, Ídolos e
Poder – Do Vinil Ao Download” escrito por André Midani (Executivo da indústria
fonográfica) Edição WEB Versão disponível na internet em 2013. Lançado pela
editora Nova Fronteira em 2008. O livro estava a disposição no site
andremidani.net (site criado pelo próprio André Midani) o site não está mais no
ar, mas eu baixei na época.
“Querendo retomar a dianteira sobre
nossos concorrentes, ainda no início da década de 1980, chamei o Liminha, que eu
acabara de promover a diretor artístico da Warner, e o Pena Schmidt, contratado
para a mesma posição em São Paulo, para traçar um plano de ação. Decidimos
fazer o que melhor sabíamos: ir para a rua e descobrir novos talentos
aos quais ninguém prestava atenção, e,
assim, surpreender e reconquistar um lugar decente no mercado. Eles saíram à luta,
visitando os botecos da vida, os bares e os galpões de São Paulo e do Rio.
Liminha, por ser um extraordinário músico, e Pena, por ser um “rato da noite”,
encontraram rapidamente o que estava diante dos olhos de todos, mas ninguém
via: roqueiros de nomes estranhos, como Kid Abelha & os Abóboras Selvagens,
Ultraje a Rigor,Titãs do Iê-
Iê, Ira!, Camisa de Vênus, Kid Vinil,
e, posteriormente, o Barão Vermelho. Kid Abelha e Lulu Santos foram os primeiros
sucessos que deram à companhia uma nova alma e a confiança de haver descoberto
artistas para uma nova geração de público jovem.
Eu adorava a esplêndida sátira “A gente
somos inútil”, do Ultraje a Rigor, tão adequada na época, e tão adequada ainda
hoje, e carregava uma fita cassete com a gravação para todo lugar — a trabalho
ou para a casa de amigos. Lembro-me, em particular, de uma noite de aniversário
na casa do Thomaz Souto Corrêa, que reunia um ótimo grupo.
Lá estavam Walter Clark e outros que não
acharam a menor graça ao ouvir o incrível discurso do Roger, líder da banda. Eu
percebia em seus olhares:“Coitado do André, realmente perdeu a cabeça... Dessa
vez, ele se fodeu de verdade...” Só o Washington me pediu uma cópia da gravação
e a entregou ao radialista Osmar Santos, que dirigia o comício das “Diretas Já”
em 1984.
Depois de meses de trabalho frustrante, a
música começou a tocar em Porto Alegre. Logo depois, estourou em Curitiba.
Nesse ínterim, Osmar Santos fez de “Inútil” a trilha sonora de seu programa de
rádio e, um belo dia, entregou a fita nas mãos do Ulysses Guimarães, que, com a
sensibilidade estranhamente jovem para um homem de sua idade, entendeu o que
pessoas mais sofisticadas não perceberam: a importância do discurso do Roger.
Ulysses tocou a fita em plena sessão do Congresso Nacional e fez dela um dos
seus mais virulentos discursos contra a apatia dos políticos e do
sistema.Afinal, como por milagre, todos entenderam. E a música estourou pelo país
inteiro!”
Se irreverência e letras bem sacadas não era
exclusividade da banda, me atrevo a dizer que o Ultraje foi a primeira banda a
dizer tudo que queria em disco. Se por um lado o apresentador Flavio Cavalcanti
quebrou o disco que tinha a música “Inútil”, a música acabou se tornando marca
registrada do momento Diretas Já. Ulysses Guimarães tocou a fita em uma sessão
no Congresso Nacional. “Ciúme” foi cantada por Roberto Carlos em seu especial
de natal de 1985 ao lado de Ultraje a Rigor que, por sua vez cantaram “Quero
Que Vá Tudo Pro Inferno”. “Jesse Go”
fala das celebridades instantâneas, a música é tão atual que é possível fazer
uma conexão com os dias de hoje em que um imbecil qualquer “basta participar de
um reality show” e se torna a celebridade do momento, mas que se atrapalha “com
a própria glória e some da memória”. Lembro de eu escutar o disco com meus pais
em que eles riram na frase “...me dão dinheiro pra gastar com a mulherada” da
canção “Rebelde Sem Causa”... será que
eles pensaram que esse era o tipo de música que eu iria escutar dali em diante?
“Mary Lou” sempre me chamou atenção porque não é apenas uma música de letra
engraçada e de duplo sentido, ela tem o instrumental perfeito, e a produção não
esqueceu nada ao criar o clima de faroeste. “Zoraide” fala da namorada grudenta
e do cara que “...essa história de uma só, Zoraide tenha dó, eu quero mais é
variar”. “Eu Me Amo” fala do amor próprio bem ao estilo Ultraje. “Independente
Futebol Clube” foi gravada ao vivo. “Mim Quer Tocar” antes do povo falar “mim
adiciona” o Ultraje já previa que a língua portuguesa, principalmente no
internetês, seria falado assim. Há também a alfinetada política “Mas mim também
quer votar, mim também quer ser bacana”. Eu acompanhei a carreira do Ultraje até o disco "Por Que Ultraje A Rigor?" de 1990. Por volta de 2009 os vi no Sesc Santo André. A formação atual hoje conta com Roger (guitarra e vocais), Bacalhau (bateria), Mingau (baixo) e Marcos Kleine (guitarras). Hoje em dia o Ultraje está no talk show The Noite com Danilo Gentili no SBT.
Ficha técnica:
Gravado em Abril de 1985
Lançamento: Julho de 1985
Todas as músicas músicas são de autoria de Roger
Moreira, exceto onde indicado.
Lado A
01. Nós
Vamos Invadir Sua Praia
02. Rebelde
Sem Causa
03. Mim
Quer Tocar
04. Zoraide
05. Ciúme
Lado B
01. Inútil
02. Marylou
(Edgard Scandurra/Maurício/Roger Moreira)
03. Jesse
Go (Maurício/Roger Moreira)
04. Eu
Me Amo
05. Se
Você Sabia
06. Independente
Futebol Clube
Na revista Bizz número 03 vinha o Trailer Disc com uma entrevista com o Ultraje.
No Programa Fábrica do Som com Barone na bateria.
Um clássico do rock nacional, quase todas as músicas do disco estiveram nas paradas de sucesso. Parabens meu amigo pela belissima resenha.
ResponderExcluirObrigado pela visita e comentário. Esse disco realmente quebrou todas as barreiras do mercado fonográfico pro público jovem. Belos tempos, belos dias.
Excluir